Como lidar com perdas

IMG_20180220_112858

Dando continuidade à série de artigos sobre a morte e perdas em geral, após abordar um pouco sobre o que é a morte, passo a falar sobre como lidar com esse evento inevitável da vida.

Antes, contudo, quero esclarecer que este artigo trata não apenas da morte em sentido literal, mas das diversas perdas que sofremos no decorrer da vida, incluindo grandes dificuldades, tais como o nascimento de um filho com necessidades especiais que, em muitos casos, é psicologicamente vivenciado pelos pais como uma morte: a do filho perfeito.

Nosso mundo ocidental vive em função de tentar proporcionar uma vida indolor. As propagandas e redes sociais sempre retratam vidas alegres, coloridas e sem problemas; nossa medicina desenvolveu toda sorte de remédios de tarja preta para que não precisemos sentir as dores da alma; teses de felicidade são vendidas e desenvolvidas, muitas vezes dando a falsa ideia de que uma vida indolor é possível.

E, assim, a morte e as perdas da vida seguem como um tabu, interpretado por nossas mentes como um verdadeiro fracasso.

Acontece que a morte (em sentido amplo) faz parte da vida de qualquer pessoa e a morte em sentido literal é etapa inevitável dessa trajetória. A psicanalista Elizabeth Kubler Ross escreveu uma obra renomada sobre o luto e a morte: “Sobre a morte e o morrer”, onde toda a sua teoria sobre essa etapa da vida é descrita.

A citada psicanalista, que se dedicou a pacientes terminais, também escreveu sua autobiografia (“A Roda da Vida”, Editora Sextante), cuja leitura eu recomendo fortemente por ser lindíssima, e, que possui um trecho me marcou muito:

“Como uma mulher que sofrera quatro abortos e dera à luz duas crianças saudáveis, eu aceitava a morte como parte do ciclo natural da vida. Eu não tinha outra opção. Era inevitável. Era o risco que se corria ao dar à luz, assim como era o risco que se aceitava simplesmente pelo fato de estar viva. Entretanto, os médicos – em sua maioria homens -, com poucas exceções, todos encaravam a morte como uma espécie de fracasso.” (p. 156)

Como é possível que mesmo décadas depois dos estudos conduzidos pela Dra. Elizabeth Kubler Ross nós ainda tenhamos essa herança psicológica de associar a morte e as perdas em geral a fracassos!? Isso apenas nos traz um sofrimento além da dor natural desses eventos.

É preciso mudar nossa crença interior acerca do significado que damos à morte e às perdas e geral, porque essa associação negativa é inútil e conduz a períodos prolongados de depressão, a doença de nosso século! Como algo inerente à vida pode ser tão mal visto?

O fato de ser doloroso não significa que devemos associar a morte e as perdas a algo ruim ou que nos leva a um sentimento de derrota, afinal, se nos sentimos derrotados, contra quem estávamos lutando? Quem nos venceu? Deus, a vida, a natureza, o inevitável? Essa luta é em vão desde o início.

Aceitar a vida com as suas condições é essencial para que possamos tirar o melhor proveito dela. Afinal, como os próprios estudos da psicanalista referida acima indicam, nós morremos tal como vivemos, de sorte que, se passarmos a vida evitando riscos e lutando contra a sua essência, tenderemos a morrer com o sentimento de que nunca vivemos. Perder e morrer é, como disse a psicanalista, o preço que se paga por estar vivo. Agora, deixar de viver por medo do fracasso ou devido à não aceitação de perdas é antecipar a morte e desperdiçar a vida!

Compreender isso ajuda a abreviar os cinco estágios do luto, os quais a Dra. Elizabeth nomeou da seguinte forma: 1. choque e negação; 2. raiva e rancor; 3. mágoa e dor; 4. negociação com Deus; 5. aceitação.

Todos nós passamos por esses cinco estágios, na exata ordem mencionada acima, quando enfrentamos perdas ou  luto ou a notícia de uma doença que fatalmente nos conduzirá à morte. Mas, ter uma concepção da morte mais saudável nos ajuda a abreviar os quatro primeiros estágios, a fim de que possamos atingir a aceitação mais rapidamente e, assim, termos paz e vivermos bem o tempo que ainda nos é oferecido.

Ao contrário do que nos fazem crer, a aceitação daquilo que não pode ser evitado não é acomodação, mas, sim, sabedoria. É preciso humildade e inteligência para diferenciarmos aquilo que pode ser mudado ou evitado daquilo que a vida nos impõe; na segunda hipótese, a aceitação é a chave para lidarmos com o problema da melhor maneira possível e sem sofrimento. A dor será sempre inevitável, mas o sofrimento e sua vertente patológica denominada depressão podem ser, senão evitados, ao menos abreviados se soubermos mudar nossas crenças internas sobre a simbologia que damos a determinados eventos.

Nesse ponto, entra a importância da espiritualidade ou da religião, as quais nada mais são do que caminhos à fé. Após negociar com Deus, quem passa por essas situações compreende que Deus e a fé são o que nos dão força interna para encarar os momentos mais dolorosos da vida. É essa certeza inexplicável de que existe algo maior do que nós, hoje associada à inteligência espiritual, que pode nos conduzir a aceitar a vida como ela é, com suas dificuldades, perdas e dores e criar um lugar dentro de nós de uma força imensurável para superar aquilo que os demais chamam de fracasso, mas que nada mais é do que o curso e o risco inevitável de todo aquele que vive. É essa força sem explicação lógica ou científica que nos faz conseguir encarar com coragem o que a ciência até hoje não explica e talvez jamais explique: porque nascemos, porque morremos e para onde vamos.

Nunca acharemos uma reposta lógica para isso, portanto, mudar a chave da simbologia e extrair um significado positivo, que nos impulsione a uma vida de mais coragem e realizações (pois nosso tempo aqui é curto) e que nos possibilite ajoelhar diante de algo maior que nós mesmos e que jamais conheceremos, aceitando isso de peito aberto, é o segredo para uma vida não indolor, mas com paz que tanto buscamos.